domingo, 5 de julho de 2020

Luxúria, extravagância e traições: o reinado de Luis XIV, o Rei Sol, mostrado na série "Versailles"


Sabe aquelas séries viciantes que você tem vontade de maratonar em um dia? Pois é. Ano passado assisti uma exatamente assim, e hoje vou indicar e contar pra vocês o que achei.

Eu, como boa pessoa indecisa que sou, sempre tô mudando de ideia sobre minhas séries preferidas. Por enquanto, Versailles tá no meu top 10. Na verdade, foi uma das últimas séries que vi e a primeira do gênero, ao retratar a corte e a vida do rei francês Luis XIV, mais conhecido como "Rei Sol" e responsável por implantar o absolutismo na França

A série, com recortes históricos, é baseada na vida de Luis XIV e mostra a construção do Palácio de Versailles, passando por todas as esposas e amantes do rei, as conspirações, mortes e os relacionamentos homossexuais de seu irmão, Philippe I, Duque de Orleans. Tudo isso mostrado de forma grandiosa, luxuriosa e majestosa. 




Versailles é uma série francesa de ficção histórica produzida pelo Canal+ e dirigida por Daniel Roby e Jalil Lespert. Atualmente conta com três temporadas, todas disponíveis na Netflix. A quarta temporada ainda não foi confirmada, porém como não houve renovação, é bem possível que a série tenha se encerrado.


"O estado sou eu": Absolutismo e o reinado de Luis XIV


Para entendermos melhor a série, é válido conhecermos um pouco sobre o contexto histórico que envolve a trama. O reinado de Luis XIV é considerado como um dos mais importantes e polêmicos da história. Você já deve ter ouvido/lido as frases "O Estado sou eu" e "Eu sou a França", muito famosas para entendermos o que foi o absolutismo e como o rei detinha todo o poder.

Luis XIV, também conhecido como o "Rei Sol" e "O Grande" nasceu em 5 de setembro de 1638 e foi o rei da França e Navarra de 1643 até 1715. Seu reinado durou 72 anos e é considerado como o mais longo da história. Quando Luis XIV tinha cinco anos, seu pai, Luis XIII morreu, tendo sua mãe, Ana da Áustria, assumido o trono como regente até que ele tivesse idade suficiente. Em 1661, aos 23 anos, Luis XIV assume oficialmente o trono, após a morte de seu principal ministro, o cardeal italiano Jules Mazarin. Luis foi coroado rei aos cinco anos e reinou até seus 76 anos, por isso seu reinado é considerado como o mais longo da história. 


Luis XIV

O monarca acreditava em algo como "direito divino dos reis", ou seja, era vontade de Deus que ele fosse rei, e seu poder se fundamentava a partir dessa teoria. Em seu reinado, Luis XIV eliminou os últimos vestígios do feudalismo e criou um governo centralizado na figura de um único líder, o rei, onde suas vontades e ordens deveriam ser cumpridas sem questionamentos ou contestações, já que era Deus quem o tinha colocado lá (Luis, inclusive, acreditava que acima dele, só existia Deus). Com esse pensamento ele instaurou uma das formas de governo mais conhecidas: o absolutismo. 

No absolutismo, o rei detêm todo o poder do país e pode mandar e desmandar no que quiser sem que seja impedido por ministros, conselheiros, nobres e população. Daí vem a frase "O Estado sou eu", onde fica claro essa linha de pensamento absolutista. Essa forma de governo, que começou com Luis XIV, durou até o reinado de Luis XVI e terminou com a Revolução Francesa, em 1789. 

Luis XIV procurou reunir toda a nobreza da época em seu palácio de Versailles e, unificando toda a nobreza em um único local, tornou-se um dos mais poderosos monarcas da história. Em seu reinado, a França tornou-se uma potência européia e participou de três guerras: Franco-Holandesa, dos Nove Anos e da Sucessão Espanhola. Luis também era um marketeiro dons bons e um grande estrategista. Quando se autodenominou como o "Rei Sol", ele quis que todos olhassem para ele como um ser divino, que brilhava e iluminava  a França. 

O rei também era conhecido por ter tido várias amantes. Casou-se com Maria Tereza da Espanha, para selar alianças políticas (naquela época, era muito comum que as mulheres fossem usadas como moeda de troca, e os casamentos arranjados entre reis e nobres para garantir o comando de determinados países), mas ao longo da vida, envolveu-se com várias mulheres. A série foca somente em três delas, Henriqueta Ana Stuart (que era esposa de Philippe, irmão de Luis), Francisca Atenas de Rochechouart, conhecida como Condessa de Montespan, e Françoise d'AubignéCom sua esposa, Luis teve seis filhos, e com a Condessa de Montespan, sete. Quando Luis se cansava das amantes, lhes dava títulos de nobreza e terras, para que elas fossem embora de Versailles e não voltassem mais. Por conta disso, a linhagem oficial do rei é incerta. A única coisa que se sabe é que muitos herdeiros ele reconhecia como sendo seus.  

  
Da esquerda para a direita: Maria Tereza da Espanha, Luis XIV, Condessa de Montespan e Henriqueta Ana Stuart

Um fato curioso e verídico sobre a Condessa de Montespan e que é retratado na série, é o famoso "Caso dos Venenos", onde, após vários envenenamentos na corte, uma senhora chamada Catherine Deshayes, que era uma suposta feiticeira, confessou ter vendido venenos para várias mulheres da corte, incluindo a Condessa de Montespan. A filha da feiticeira inclusive relatou que viu a Condessa e sua mãe participarem de rituais de bruxaria. Esse ritual, que envolveu a morte de uma criança, era para criar uma espécie de bebida para enfeitiçar o rei. Após esse escândalo, a Condessa caiu em desgraça na corte. Luis passou a ignorá-la e não aceitar nenhum tipo de bebida ou comida que era oferecido por ela. Montespan acabou ganhando títulos e terra e foi expulsa de Versailles. 

Após a morte de Maria Tereza da Espanha, Luis casou-se novamente, em segredo, com Françoise d'Aubigné, conhecida como Madame de Maintenon. Acredita-se que o casamento ocorreu em 1683, no mesmo ano da morte de Maria Tereza. 

Luis XIV morreu em seu palácio de Versailles, em 1 de setembro de 1715, quatro dias antes de completar 77 anos. Seus filhos e netos com sua esposa, Maria Tereza, morreram antes dele; dessa forma, a coroa passou para seu bisneto, Luis, o Bem Amado, com cinco anos de idade na época, que ficou conhecido posteriormente como Luis XV. 


Philippe I, Duque de Orleans - o extravagante irmão de Luis XIV


Não dá para falar de Luis XIV e seu reinado sem citar seu irmão, o extravagante Philippe I, Duque de Orleans. O Monsieur (título tradicional usado na corte francesa para se referir ao irmão do rei) historicamente ficou muito conhecido por todos os relacionamentos amorosos e sexuais com homens que manteve ao longo de sua vida, bem como por sua maneira atípica de se vestir e sua feminilidade acentuada. Philippe era também conhecido por ser um general talentoso e estrategista militar. Ele é lembrado também como o "avô da Europa" pois, através de seus filhos, tornou-se o ancestral da maioria da realeza moderna.

Philippe sempre foi tratado como a sombra de Luis XIV. Um quadro bastante conhecido que retrata os dois irmãos mostra Philippe usando vestido e roupas típicas das meninas da época, ao lado de Luis.  Historicamente, Philippe está usando essas roupas para se diferenciar do seu irmão e não ofuscar o 'brilho' de Luis, mas também há teorias de que a mãe deles, a rainha Ana da Áustria, queria muito ter uma filha, e tratava Philippe como se fosse uma menina (diz a lenda que os trejeitos femininos de Philippe são por conta disso).


Luis XIV e Philippe 
                                     
Philippe I, Duque de Orleans

Na série, seu personagem é bem amável e não faz questão nenhuma do trono (historicamente, Philippe nunca quis ser rei). Ele gostava de aproveitar todas as mordomias e benefícios que se tem quando se é parente do rei, porém ele odeia ser controlado por seu irmão e não poder tomar atitudes ou decisões, como o fato de morar longe do palácio de Versailles ou simplesmente ir cuidar da própria vida. Philippe se mostra um irmão fiel e confiável para Luis XIV, embora fique muitas vezes contrariado pelas atitudes do rei. Por conta disso, eles vivem em constantes brigas, que são mostradas ao longo dos capítulos. O Duque nos mostra, através de diálogos poderosos com Luis XIV, que existe vida além de Versailles e que nem sempre riqueza e grandiosidade são motivos de felicidade. Aos olhos de Philippe, o palácio de Versailles é um verdadeiro inferno. Tudo era parte de um grande teatro (como quando Philippe, a mando do rei, teve que dar aulas de etiqueta aos nobres para que estes pudessem servir melhor seu rei).


Alexander Vlahos como Philippe I, Duque de Orleans

O Duque era conhecido por suas extravagâncias e seus relacionamentos homossexuais. Philippe era assumidamente gay, porém casou-se com sua prima, Henriqueta Ana Stuart, ou Henriqueta Ana da Inglaterra. Na série, esse fato é retratado como algo que Philippe é obrigado a fazer, e o casamento torna-se um fardo ao longo dos anos. Henriqueta, por um tempo, foi amante de Luis XIV. Com Henriqueta, Philippe teve quatro filhos. Um ano após a morte da esposa, em 1670, Philippe forçadamente se casou mais uma vez, com Isabel Carlota do Palatinado, princesa alemã conhecida como "Princesa Palatina". Com Isabel, o Duque teve três filhos.


Cavaleiro de Lorena, Philippe e Princesa Palatina


Philippe era apaixonado pelo nobre Filipe de Lorena (também conhecido como Cavaleiro de Lorena - Chevalier de Lorraine, em francês), e a série mostra os dois juntos de uma forma natural (e ofensiva para a família tradicional brasileira haahah). Isso é um fato que achei bem legal. O Duque não era alvo de piadas ou preconceito por sua orientação sexual, pelo contrário, era muito admirado e respeitado. Historicamente, naquela época, a homossexualidade ainda era um tabu, porém, na série, o comportamento de Philippe era considerado normal, visto que todos em Versailles estavam acostumados e até inseridos em um estilo de vida regado a orgia, festas e drogas dentro do palácio.  Esse vídeo que achei no Youtube, que contém trechos da série, mostra um pouco sobre os relacionamentos e a nada convencional vida de Philippe:




A série foca somente em seu romance com o Cavaleiro de Lorena, porém, historicamente, Philippe teve diversos romances com outros nobres, destacando-se Filipe Mancini e Armand de Gramont, conhecido como Conde de Guiche. O romance com Armand foi bastante conhecido e conturbado pois, traído pelo Conde (Armand e Henriqueta tiveram um caso), Philippe fez com que seu irmão o exilasse. Resumindo: tudo ali era uma verdadeira bagunça.

O Duque também aparece vestido muitas vezes com roupas de mulher e, quando fui pesquisar sobre esse personagem histórico, descobri que muito provavelmente o uso de perucas e salto alto na corte começou por conta dele. 

Cavaleiro de Lorena e Filipe I


O majestoso palácio de Versailles


O palácio de Versailles (em francês, Chatêau de Versailles), é um dos palácios mais famosos do mundo, e um dos mais grandiosos também. Foi usado como residência oficial dos reis Luis XIV, Luis XV e Luis XVI (juntamente com toda a corte) até a Revolução Francesa, em 1789. 

Sua construção começou em 1664, quando Luis XIV quis transformar a antiga casa de campo de seu pai, Luis XIII, em um palácio onde ele pudesse morar com toda a corte e, consequentemente, vigiá-la de perto. O medo de traição e conspirações fez com que Luis XIV desse um jeito de controlar todos dentro do palácio. 

Em 1682, após o término das obras, Luis XIV mudou-se de Paris para Versailles, obrigando toda a corte a ir morar com ele. Para ter uma noção, o palácio é tão grande que possui cerca de 700 quartos e estima-se que viviam aproximadamente 60 mil pessoas lá dentro. Com o tempo, toda a corte percebeu que o palácio nada mais era do que uma prisão dourada e luxuosa; todos os passos de cada morador eram vigiados pelo monarca. 

Versailles fica localizado na cidade francesa de mesmo nome, e é ainda hoje considerado como o centro do poder da antiga monarquia francesa. É um dos pontos turísticos mais visitados da França e tornou-se patrimônio mundial e monumento histórico pela UNESCO em 1929. Um dos cômodos mais conhecidos e mais bonitos do palácio é a Galeria dos Espelhos. A ideia da decoração desse cômodo, dizem, surgiu através de um sonho que Luis XIV teve.

Palácio de Versalhes. Foto: Ville de Versailles, Chatêau de Versailles

Galeria dos espelhos

Quando comecei a pesquisar sobre o palácio de Versailles, também li muito sobre os antigos hábitos de higiene da época. Basicamente as pessoas quase não tomavam banho, então o cheiro e aspecto do corpo e cabelo eram horríveis, e para disfarçar, a nobreza abusava do perfume (lembra que os perfumes franceses são conhecidos por serem bem fortes e marcantes? Ta ai o motivo). Os leques das mulheres, que vemos como algo charmoso, não servia para se abanar para espantar o calor, e sim para espantar o mau cheiro que exalava do corpo e por debaixo das roupas. Então, não se engane quando ver, na série, a nobreza limpa, bem arrumada e aparentemente cheirosa. A realidade era bem diferente do que é mostrado, e de certa forma isso tira algum deslumbre que possamos vir a ter.

Uma curiosidade que achei muito interessante (e nojenta hehehe): Não havia banheiros no palácio e muito menos sistema de esgoto, por isso, era bem comum que os moradores do local se aliviassem nos cantos dos cômodos e também ao longo do extenso jardim. Alguns, ainda, jogavam seus dejetos pelas janelas do palácio. 

Versailles é aberto para visitação com ingressos variados, que vão desde a gratuidade até valores  aproximados de 27 euros. Quanto mais caro o ingresso, mais lugares o adquirente pode conhecer. Você pode conferir os valores e a descrição de cada tipo de ingresso aqui.


O que eu achei da série e por que indico?


Eu nunca fui uma leitura muito assídua de coisas relacionadas à monarquia francesa, portanto assistir a algo histórico me faria aprender e entender muita coisa sobre os costumes da época. Esse foi um dos motivos para eu começar a assistir Versailles. Como é uma série de ficção histórica, nem tudo o que é mostrado é baseado em fatos reais, porém a série é bem fiel a todos os fatos e personagens históricos. Dá para aprender bastante coisa assistindo. 

Conforme dito no tópico acima, a corte francesa não era tão limpa e arrumada como vemos na série. Porém, não tem como contar a história da construção de Versailles e da corte de Luis XIV sem abusar de muito luxo, riqueza, luxúria, exageros e grandiosidade. E é justamente com toda essa pomposidade que Versailles  apresenta os personagens e toda a narrativa. Os figurinos foram muito bem elaborados e caprichados, e as paisagens e palácios nos surpreendem. As cenas dos jardins foram gravadas em castelos franceses, e o próprio palácio de Versailles foi usado para a gravação da primeira temporada. Você literalmente entra em Versailles quando começa a assistir a série.


George Blagden como Luis XIV

Os atores, do meu ponto de vista, foram muito bem escalados e cumpriram perfeitamente seus papéis. O Rei Luis XIV é interpretado por George Blagden, que ficou famoso por ser o padre Athelstan de "Vikings", e seu irmão, Philippe I, Duque de Orleans, é interpretado por Alexander Vlahos, que deu vida à figura lendária Mordred na série As Aventuras de Merlin. Nota de deslumbre: Luis XIV e Philippe  não eram tão bonitos quanto os atores (eu fiquei decepcionada quando comecei a pesquisar sobre essas figuras históricas ahahahaha).

Philippe e Luis XIV

Achei que a série retratou bastante o lado humano de Luis XIV, mostrando muitas vezes o rei sofrendo ataques de pânico, alucinações, medo e raiva. Mesmo sendo o rei da França, Luis era humano e padecia das mesmas sensações e sentimentos que todos nós temos. A diferença é que, por ser rei, ele jamais poderia demonstrar sinais de fraqueza para seus súditos, nobreza e todos que o cercavam. As únicas pessoas em quem ele confiava para poder desabafar um pouco e conversar eram seu irmão, Philippe, e seu valet, Alexandre Bontemps (interpretado por Stuart Bowman). O valet era, depois de Philippe, a pessoa mais próxima do rei e, por esse motivo, um dos homens mais respeitados da corte (fato histórico).

Apesar da série se basear na vida de Luis XIV e na construção de Versailles, em vários momentos outros personagens ganham bastante destaque, como Philippe, Bontemps, o chefe da guarda real, Fabien Marchal (Tygh Runyan), o Cavaleiro de Lorena (Evan Williams), Maria Tereza da Espanha (Elisa Lasowski), Henriqueta Stuart (Noémie Schmidt), Madame de Maintenon (Catherine Walker) e a Condessa de Montespan (Ana Brewster).


Da esquerda para a direita: Fabien Marchal, Princesa Palatina, Cavaleiro de Lorena, Philippe, Bontemps, Luis XIV e Madame de Maintenon, segunda esposa do rei

Essa série é perfeita para os que, assim como eu, gostam de ficção histórica, mas também para quem gosta de conhecer um pouco mais sobre a moda da época, realeza e monarquia francesa. Versailles mostra tudo isso de forma grandiosa e, por esses motivos, merece ser vista.




Para quem quiser ver mais fotos e informações sobre o palácio de Versailles, indico o site oficial e também o instagram. Abaixo, deixo um vídeo oficial bem legal que mostra toda a grandiosidade do palácio.



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